sexta-feira, 25 de março de 2011

DA SOCIOPATA PARTE 2

Um segundo com o objeto entre as mãos. Esse foi o tempo suficiente para que ela decidisse ir em frente com outro de seus atos delirantemente insanos e insolitamente deliciosos. Um corte no meio do tórax, entre os seios, com força o suficiente para arrancar o estrago que ela desejava, mas não profundo o suficiente para atingir nenhuma parte vital,a mocinha sabia muito bem o que estava fazendo.Confiava em seus instintos primordiais .

Alias... Seu coração já estava dilacerado há muitos anos, com este órgão ela não precisava mais se preocupar. Com o Lucky Strike aceso tragava calmamente o cigarro de filtro branco enquanto continuava o corte ate aproximadamente a linha da cintura. Ela sequer precisava das duas mãos para tal serviço. Seu corpo já estava mapeado e ela já estava doutorada em cortes e semi-suicidios nunca revelados a outrem.

Diante do enorme espelho do seu banheiro ela finalmente joga a bituca no cinzeiro preto quebrado, pelo uso e também pelos seus ataques explosivos onde todo e qualquer objeto voa na parede, até mesmo o seu precioso cinzeirinho de plástico daqueles vagabundos, mas que fora presente de uma amiga muito especial, amiga de lua e amiga de mar.

Apóia-se no mármore frio da extensa pia e observa silenciosamente a beleza do horror.A primeira sensação é a melhor: Dor.Alivio.Controle.Auto-controle.Mas isso ao é tudo, há poesia no que ninguém ou melhor, no que poucos vêem.Nua, ela se senta na graciosamente e abre a torneira a fim de se lavar.O mármore é extenso e ela parece uma ninfa sentada com as pernas semi – estendidas.Ouve o barulho da água escorrendo e desiste da idéia de suprimir aquele momento tão seu, tão intimo, tão insano, tão profano e ao mesmo tempo tão puro.

Fecha a torneira, apenas pingos remanescentes que logo cessam. Olha-se. Percebe o vermelho vivo em contraste com sua pele branquíssima, como cerejas que caem sobre a neve.Encharcada em seu próprio liquido viscoso vê-se cerejeira invernal, vê-se branca de neve coberta de maçãs maduras, vê-se Bela vestida de Fera, ou Fera disfarçada de Bela em vestido de baile rubro..Todavia.Vê-se. Naquele gigantesco espelho retangular do banheiro da suíte.

Sim, as vezes ela se enfia em lugares sujos e fétidos , mas ela ainda tem um lugar para chamar de lar, se é que isso ainda existe.Vou corrigir a frase: “Ela ainda tem u lugar para voltar quando precisa, ou quando quer, ou quando...ou quando...”
E sem berloques destruídos ou roupas de alças finas ou meia calça preta desfiada, ela esta apenas nua diante de si mesma, embrulhada em fitas de cetim vermelho que agora escorrem até o piso imaculado do banheiro, alvejado mais cedo. Imagens surgem em sua mente, toma ou não toma um alenthus, entra ou não embaixo de uma ducha fria,liga ou não para a psiquiatra...mas nada a agrada,apenas sua tara narcisistica a acalma.

Não é suicida, não é borderline, não é bipolar, ela é apenas ELA. Uma cartógrafa de corpos que auto estuda, se auto mapeia,se encontra em sua dor e se perde em seu furor. TRAMONTINA – leu na faca usada para a sua ultima empreitada, esboçou um sorrisinho irônico. Ridículo, pensou ela. Podia ser uma daquelas facas de colecionador com cabo banhado a ouro branco ou entalhado em madeira. Contudo a autora foi uma simples Tramontina afanada da cozinha. Foi uma das marcas mais populares que rasgou seu peito e a fez cerejeira por alguns minutos. Foi a faca preferida, a menor e mais afiada, que ela usa apenas de tempos em tempos que fez com que o bico de seus seios fossem duas cerejas macias maduras por uma noite.

E ela provou de seu sangue, o que escorria pelo pulso, e descobriu que vampirismo não é um fetiche que lhe pertence, mas ainda assim continuava linda nua, pálida, como uma raposa branca e mais interessante ainda coberta com seus caldos vermelhos cerejais. Ninfetismo era um de seus fetiches com absoluta certeza, mas apenas com sua própria imagem. Narciso possui uma seguidora...

Não havia brilho, não havia glitter, não havia batom, não havia álcool, não havia calmante tarja- preta. Apenas a menina – corsa sentada elegantemente sobre o caríssimo mármore, uma faca ordinária e uma obra de arte, mórbida e horrível para muitos, mas para ela, de tirar o fôlego e recuperar a sanidade...

Sóbria e louca neste dia, exatamente como ela gosta...