sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

DA SOCIOPATA PARTE 1 ( CUIDADO, TEXTO FORTE)

Do primeiro ato:

A moça branca de pele alva como a lua mira – se no reflexo distorcido do espelho sujo, cabelos negros e longos, presos em um coque malfeito, com as longas pontas das madeixas jogadas sobre os ombros ossudos e lânguidos. Suas costas bem delineadas no decote do vestidinho preto de finas alças praticamente arrebentando com fios soltos e pequenas pedrinhas coloridas escapando pelas tiras destroçados da pequena peça de cetim que lhe cobre o corpo.

É magra, mas não muito alta, vê- se feia e suja a cada olhar no vidro reflexivo maldito dentro daquele banheiro sua mente está suja e corrompida, seu corpo está sujo e corrompido, sua alma está suja e corrompida, seu coração está sujo e corrompido. Os pulsos já contem diversas marcas que um bracelete de prata tenta esconder inutilmente. Marcas sobre marcas já formam desenhos em seu antebraço, desenhos desconexos feitos por facas, laminas, giletes oxidadas, deixadas no box do banheiro molhado e por tantos aparelhos de barbear achados em suítes de quartos por onde ela passou quartos de pessoas que ela não lembra nem mesmo o nome .Apenas se lembra de suor, risadas, e depois de lagrimas , chuva e sangue.

Mas, naquele dia ela não estava na casa de um outro alguém, nem mesmo em um quarto de motel barato, muito menos na cobertura espelhada do melhor apart. hotel de Paris como em seus delírios medicamentosos fazendo check - in com suas malas pretas.Era em um pequeno cubículo com paredes de azulejo brancas sujas de mofo e poeira marrom.o chão era praticamente invisível para ela, , não conseguia olhar para baixo , nem para os lados, apenas estava viciada narcisisticamente em sua imagem.

Asqueroso – Pensava ela - com seu olhar prepotente mirando - se ainda-. Seus olhos verdes pintados de negro e lilás, com seus cílios longos como asas de borboletas iluminavam o cubículo (quase) branco onde ela se encontrava, já que a fraca iluminação da lâmpada amarela não era suficiente para ela encontrar-se por inteiro naquele pequeno quadrado translúcido.Tudo o que ela via era a pele querendo perfeitamente pintada , a boca rosada, quase vermelha e as pupilas dilatadas querendo libertar - se.

Bastava ela saber que aquela solidão interna era besteira de menina mimada, mas as lagrimas teimavam em querer escorrer, ela poderia estar no meio de uma multidão que se sentiria sozinha, poderia estar contemplando o mar em uma praia deserta que se sentiria sufocada, poderia estar ouvindo a mais tranqüila chuva deverão que se sentiria incomodada, poderia estar lendo MacBeth que se sentiria imparcial...

Alongou os braços, o bracelete se desprendeu; Os penduricalhos caindo no chão fizeram um barulho estridente quase insuportável para a doce delinqüente da alma.Cinco berloques cor de zinco espatifaram-se no assoalho, cada um era como se fosse uma parte de seu coração partindo ou de sua mente se desintegrando.uma borboleta, que, para ela, significava liberdade, um coração partido ao meio - obvio- , um anel que fora de sua falecida avó que ela também usava como enfeite, uma abelha, que é o significado de seu nome em uma linguagem antiga,e a carinha de um gatinho, lembrança de tempos antigos que não voltam mais.

Não olhou para a jóia quebrada, não olhou nem mesmo para o assoalho, ela estava certa de que era um piso como outro qualquer de um desses lugares sórdidos por onde passara: Uma barata morta de barriga para cima, marcas de lama feitos por sapatos descuidados, uma pequena poça de água ao lado da pia¸ rejuntes encardidos pedindo água sanitária e escova, uma tarraxa de brinco caída...Com certeza apenas mais um refugio por onde desesperados procuraram fuga e alivio imediato.Assim como ela faria naquele momento...

Fechou os espelhos da alma por um segundo. Sentiu então o primeiro arrepio, sentiu o formigamento percorrendo todo o seu ser, sensação corriqueira pra a bela moça apodrecida por dentro. Precisava livrar – se do desamor próprio, carecia de libertação de si mesma.Os dedos começavam a adormecer lentamente...Quando isso acontecia era sinal de que seu sangue começaria a borbulhar em segundos implorando por algo que a trouxesse de volta a sua semi - estabilidade psicológica.Ou que a tirasse do eixo permanentemente.

Levou as mãos até então fechadas até sua imagem, mistura de amor incondicional e ódio ferino aceleram o processo de auto destruição, seja ele qual for...É apenas uma necessidade, um pequeno presente que ela se permite , presente de Tróia para uma intocável Helena aprisionada pelos seus próprios medos e inseguranças.Um soco , o vidro não se parte, ela não se frustra, não era essa a intenção...queria apenas descarregar um pouco da adrenalina que agora é latejante, animalesca.

Não é perfeita, não quer ser escrava dessas situações, mas não há escape, ela trás as mãos para perto de si, uma delas guarda o segredo para essa prisão invisível chamada sofrimento... O peito ofegante anuncia que a hora esta próxima, ela sente um segundo arrepio, e o controle de seus atos não a pertence por completo, há algo maior que toma conta de suas atitudes. Maldades encobertas pelo brilho inocente de maçãs róseas e olhos da cor do oceano, maldades encobertas por sorrisos cordiais, escondidas em pensamentos perversos.

Alcança a parede lateral com a ponta dos dedos, unhas roídas são um visível sinal de ansiedade, e ela já devorou todas esta semana, vergonhoso para uma mulher - gata de vinte e cinco anos andar sem garras.A mão esquerda finalmente se abre e revela um pedaço de, estilete afiado gasto pelos anos de uso, mas ainda com uma última missão: Retirar o aperto e a repressão daquele segundo.Ela não pode mudar quem é, mas pode tentar descomprimir os malefícios de anos fantasmagóricos e de minutos de mal estar inconseqüentes.

O pedaço de metal atrai a atenção. Ela o foca e esboça um sorrisinho irônico, mesmo nessas horas, o cinismo permanece. Prepotente. Entretanto autentica. Ensaia um corte no pulso do braço que está estendido, mas hoje isso não será o suficiente para abrandar seu coração. Ela começa a trilhar um caminho vagarosamente, como se estivesse rabiscando uma folha de papel com uma caneta tinteiro.

Uma perfuração seca na lateral do antebraço. Morde os lábios. Suspira. Ofegante. Livre. E o estilete continua seu caminho seguindo implacável. Dor. Ela Gostaria que fosse mais fácil, entretanto para ela não há mais satisfação em drogas, álcool, sexo. Seu vicio é a dor intensa. Segue até a parte de trás dos ombros em uma linha amputativa, consegue chegar ao meio das costas, próxima á nuca onde se esconde a tatuagem de coração preta e rosa, feita há alguns anos atrás, quando ela ainda era feliz, quando ela ainda não precisava se mapear com lâminas.

CONTINUA...